terça-feira, 31 de outubro de 2006

O amor no terceiro milénio

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início desse milénio.
As relações afectivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.

O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A ideia de uma pessoa ser o remédio para a nossa felicidade, que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste início de século.

O amor romântico parte da premissa de que somos uma fracção e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.

Muitas vezes ocorre um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas características para se amalgamar ao projecto masculino.

A teoria entre opostos também vem dessa raiz:

O outro tem de saber fazer o que eu não sei.
Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante.
Uma ideia prática de sobrevivência, e pouco romântica.

A palavra de ordem deste século é parceria.

Estamos trocando o amor de necessidade pelo amor de desejo.
Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso – o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas.
Elas estão começando a perceber que se sentem fracção, mas são inteiras.

O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente fracção.
Não é príncipe ou salvador de coisa alguma. É apenas um companheiro de viagem.

O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando para se adaptar ao mundo que fabricou.

Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo.

O egoísta não tem energia própria, ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, tem nova feição e significado.
Visa a aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades.

E ela só é possível para aqueles que conseguiram trabalhar sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem.

Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado.
Cada cérebro é único.
Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém.

Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gémea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal.

Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.

Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.

O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.

Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo...

“A pior solidão é aquela que se sente quando acompanhado”


Autor: Flávio Gikovate

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