quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Fundo do mar

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

gato enganado


peixe virgem


Palavra de Grande Inquisidor

“De tudo o que Dostoievski escreveu em Os Irmãos Karamazov o que mais me impressionou foi o incidente do “Grande Inquisidor”. É assim: Jesus havia voltado à terra e andava incógnito entre as pessoas Todos o reconheciam e sentiam o seu poder, mas ninguém se atrevia a pronunciar o seu nome. Não era necessário. De longe o Grande Inquisidor o observa no meio da multidão e ordena que ele seja preso e trazido à sua presença.. Então, diante do prisioneiro silencioso, ele profere a sua acusação.

“Não há nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. Em lugar de pacificar a consciência humana, de uma vez por todas, mediante sólidos princípios, Tu lhe ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas: a liberdade. Agiste, pois, como se não amasses os homens... Em vez de Te apoderares da liberdade humana, Tu a multiplicaste, e assim fazendo, envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda a eternidade...”

O Grande Inquisidor estava certo.Ele conhecia o coração dos homens. Os homens dizem amar a liberdade, mas, de posse dela, são tomados por um grande medo e fogem para abrigos seguros. A liberdade dá medo. Os homens são pássaros que amam o vôo, mas têm medo dos abismos. Por isso abandonam o vôo e se trancam em gaiolas.”

“Somos assim: sonhamos o voo mas tememos a altura . Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde onde as certezas moram.
É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que eles voariam se as portas estivessem abertas. A verdade é oposto. Não há carcereiros. Os homens preferem as gaiolas aos voos. São eles mesmos que constroem as gaiolas em que se aprisionam...”

“Deus dá a nostalgia pelo voo.
As religiões constroem gaiolas”

“Os habrir as portas das gaiolas para que o Pássaro voe livre, não tem perdão. O seu deereges são aqueles que odeiam as gaiolas e abrem as suas portas para que o Pássaro Encantado voe livre. Esse pecado, stino é a fogueira. Palavra do Grande Inquisidor”

Rubem Alves
Correio Popular
22/05/05

Não se deve emparedar um peixe