Hoje é um dia histórico para quem se dedica à física. Mesmo
que o anúncio do descobrimento pareça não ser definitivo, duas equipas do CERN
têm evidências de uma partícula que é procurada há décadas: o bosão de Higgs.
Neste artigo, são dadas respostas a algumas das questões chave relacionadas com
esta “aventura científica”. Por Alberto Sicilia.
ARTIGO | 4 JULHO, 2012 - 17:41
Proponho-vos explorar, de modo simples, algumas questões
relacionadas com esta aventura científica: o que é o bosão Higgs? porque é tão
importante encontrá-lo? De onde surgiu o termo “partícula de Deus”?
1.- De que é formada
a matéria?
A matéria é formada por átomos. Um átomo é como um Sistema
Solar em miniatura: tem um grande núcleo central (composto por protões e
neutrões) e, ao seu redor, giram os eletrões.
2.- De que são
formados os protões e os neutrões?
Os protões e os neutrões são formados por umas partículas
mais pequenas que se chamam quarks. Há 6 tipos de quarks e foram batizados com
nomes um pouco estranhos: o quark “acima”, o quark “abaixo”, o quark “encanto”,
o quark “estranho”, o quark “cimo” e o quark “fundo”.
Um protão é formado por 2 quarks “acima” e 1 quark “abaixo”.
Um neutrão é formado por 1 quark “acima” e 2 quarks “abaixo”.
3.- E de que são
formados os eletrões?
Ao contrário dos protões e dos neutrões, os eletrões são
partículas elementares; quer dizer, não se podem dividir mais.
4.- Então o eletrão e
os quarks são partículas elementares e qual é o problema?
O problema é que não compreendemos porque é que estas
partículas têm massas tão diferentes. Por exemplo, um quark “cimo” pesa 350.000
vezes mais do que um eletrão. Para que façam uma ideia do que significa este
número: é a mesma diferença de peso que há entre uma sardinha e uma baleia.
5.- Qual é a solução
deste problema?
Em 1964, o físico inglês Peter Higgs, juntamente com outros
colegas, propôs a seguinte solução: todo o espaço está cheio de um campo, que
não podemos ver, mas que interage com as partículas fundamentais. O eletrão
interage muito pouco com esse campo e, por isso, tem uma massa tão pequena. O
quark “cimo” interage muito fortemente com o campo e, por isso, tem uma massa
muito maior.
Para compreender isto, voltamos à analogia entre a sardinha
e a baleia. A sardinha nada muito rapidamente porque é pequenita e tem pouco
água ao redor. A baleia é muito grande, tem muita água ao redor e, por isso,
move-se mais devagar. Neste exemplo, “a água” tem um papel análogo ao “campo de
Higgs”.
A teoria de Higgs é muito profunda, pois diz-nos que a massa
de todas as partículas é originada por um campo que enche todo o Universo.
6.- Problema
resolvido?
Não tão rapidamente. Em física, uma teoria só é válida se
pudermos verificá-la com experiências. A história da ciência está repleta de
formosas teorias que passaram a ser falsas.
O campo de Higgs é só uma teoria. Para comprová-la
necessitamos de encontrar a partícula associada ao campo de Higgs: o chamado
“bosão de Higgs”.
7.- Porque é tão
difícil observar o bosão de Higgs?
Quando queremos detetar o bosão de Higgs enfrentamos 2
problemas fundamentais:
1) Para gerar um bosão de Higgs, é necessária muitíssima
energia. De facto, são necessárias intensidades de energia similares às
produzidas durante o Big Bang. Por isso, precisamos de construir enormes
aceleradores de partículas.
2) Uma vez produzido, o bosão de Higgs desintegra-se muito
rapidamente. E mais, o bosão de Higgs desaparece antes que o possamos observar.
Só podemos medir os “resíduos” que deixa ao desintegrar-se.
Estes dois problemas são de uma complexidade tremenda que
para os resolver precisamos do trabalho de milhares de físicos durante varias
décadas.
8.- E o termo “a
partícula de Deus”? Por acaso não somos cientistas?
A origem do apelido “a partícula de Deus” é uma das minhas
anedotas favoritas em física.
Nos anos 90, Leo Lederman, um Prémio Nobel, decidiu escrever
um livro de divulgação sobre a física de partículas. No texto, Lederman
referia-se ao bosão de Higgs como “The Goddamn Particle” (“A Partícula
Maldita”) pela dificuldade em ser detetada.
O editor do livro, num desastroso ataque de originalidade,
decidiu mudar o termo “The Goddamn Particle” para “The God Particle” e assim “A
Partícula Maldita” converteu-se na "Partícula de Deus”.
9.- Uma vez
confirmada a teoria de Higgs, a física de partículas acabou?
Não. A deteção do bosão de Higgs é só o começo de novas
aventuras (os físicos continuarão a ter trabalho por muito tempo!).
No entanto, ficam dezenas de problemas que estão muito longe
de serem resolvidos. Alguns exemplos: o que é a matéria escura? Como formular
uma teoria quântica da gravidade? os quarks e os leptões são verdadeiramente
partículas elementares ou têm uma substrutura? Todas as forças unem-se numa
energia suficientemente alta?
Por fim, o nosso trabalho como cientistas consiste em
avançar, ainda que seja só um passito, para que as gerações futuras
compreendam, um pouquito melhor do que nós, como funciona este formoso Universo
que nos rodeia.
http://www.esquerda.net/artigo/o-bos%C3%A3o-de-higgs-em-nove-quest%C3%B5es-chave/23811
http://www.esquerda.net/artigo/o-bos%C3%A3o-de-higgs-em-nove-quest%C3%B5es-chave/23811
publicado em: http://principiamarsupia.wordpress.com/
Tradução: António José André
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