quinta-feira, 31 de agosto de 2006

A lagarta e a flor











Era uma vez uma lagarta que se tinha enamorado de uma flor.

Era evidentemente um amor impossível, mas o insecto não queria seduzi-la nem fazer dela o seu par. Nem sequer queria falar de amor. Ele apenas sonhava em chegar até ela e dar-lhe um beijo.

Só um beijo.

Todas as manhãs e todas as tardes a lagarta olhava para a sua amada que estava cada vez mais alta, cada vez mais longe. Todas as noites sonhava que finalmente chegaria até ela e a beijaria.

Um dia, a lagartinha decidiu que não podia continuar a sonhar todas as noites com a flor e não fazer nada para realizar o seu sonho. Por isso, avisou corajosamente os seus amigos, os escaravelhos, as formigas e as minhocas, que treparia pelo caule para beijar a flor.

Todos afirmaram que ela estava louca e a maioria tentou dissuadi-la, mas não houve maneira, a lagarta arrastou-se até à base do caule e iniciou a escapadela. Trepou toda a manhã e toda a tarde, mas quando o sol se pôs, os músculos dela estavam exaustos.

«Passarei a noite agarrada ao caule – pensou ela – e amanhã continuarei a subir.» «Estou mais perto do que ontem», pensou, embora só tivesse alcançado dez centímetros e a flor estivesse a mais de um metro e meio de altura. No entanto, o pior foi que, enquanto dormia, o seu corpo viscoso e húmido resvalou pelo caule e de manhã a lagarta despertou onde tinha começado um dia antes. A lagarta olhou para cima e pensou que devia redobrar os esforços durante o dia e agarrar-se com mais força ao caule durante a noite. De nada serviram as boas intenções. Todos os dias a lagarta trepava e todas as noites resvalava outra vez até ao chão.

No entanto, a cada noite, enquanto descia sem o saber continuava a sonhar com o seu desejado beijo. Os seus amigos pediram-lhe que renunciasse ao seu sonho ou que sonhasse outra coisa, mas a lagarta sustentou com razão que não podia mudar o que sonhava quando dormia e que, se renunciasse aos seus sonhos, deixaria de ser quem era. Continuou tudo na mesma durante dias, até que uma noite…Uma noite, a lagarta sonhou tão intensamente com a sua flor que os sonhos se transformaram em asas e de manhã a lagarta acordou borboleta, desdobrou as asas, voou até à flor e beijou-a.

Jorge Bucay no livro” Conta Comigo”

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